quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Dia 05/01/2011 - Comprei um terreno no Chaco (de Santa Cruz a Corumbá).

A única coisa ruim do hotel Suiza, era que o café é servido a partir das 08:30 h.  Não podíamos nos dar ao luxo de sair tão tarde de Santa Cruz, havia o longo e desconhecido percurso até o Brasil (Corumbá).
Decidimos sair cedo, e tomarmos o café pelo caminho. Descansados, descemos toda a bagagem e montamos nas motos, o calor já era forte às 7 da manhã. Quando eu ia sair do estacionamento, no sub-solo, encostou do meu lado uma Hilux com placa da Bolívia.  Um senhor de uns 30 anos e com um menino de uns 10 como passageiro, me perguntou em português bem claro, para onde eu estava indo.  Disse-lhe que voltava para o Brasil, iria até Corumbá, ele me disse que ia fazer o mesmo trajeto, estava saindo naquele momento também. Lhe perguntei se ele conhecia o percurso e ele respondeu que não, iria descobrir naquele dia. Muito bem, claro que nossos ritmos de viagem eram diferentes, daí que nos desejamos mutuamente sorte e boa viagem.


O hotel Suiza, vista do quarto


Um pequena vista da cidade


O Scooby foi ver o sol nascer em Santa Cruz
Pegamos a própria avenida Canõto no sentido leste, depois da primeira rotatória, a arborizada avenida vira Av. Uruguai, bem ali existe uma praça do outro lado, onde está um Lockheed Constellation, um clássico da década de 50. Paramos na mão onde estávamos e eu tirei uma foto, o grande avião está pintado nas cores da AeroSur (isto é estranho).  Uma pena, não temos tempo para visitá-lo, aproveitamos para perguntar a sobre a saída para Puerto Suarez (logo percebi que a referência era muito distante, era como perguntar em São Paulo onde era o caminho para Porto Alegre). Um motorista nos indicou que naquela avenida tínhamos que sair à esquerda após o cemitério. O que de fato fizemos, só não tínhamos entendido direito onde ir depois, daí que na próxima rotatória saímos à esquerda e não encontramos informação ou um lugar para tomar café.
O Lockheed Constellation
Rodamos um pouco perdidos e, pergunta aqui pergunta ali, finalmente saímos na  Av. Virgem de Cotoca. Um senhor nos disse que tínhamos que ir para Cotoca.  Esta avenida possui uma zona residencial à direita e uma zona industrial à esquerda, passamos por muitos galpões de empresas, aí vimos um posto de gasolina.
Paramos para abastecer, uma morena com um vestido verde muito curto e colado ao corpo, que delineava as "curvas" e deixava à mostra suas belas pernas.  Ela com maquiagem e um batom vermelho, veio nos atender, foi aí que eu ví uma outra menina nos mesmos trajes. Capricharam no uniforme por aqui!
Obviamente que, lhe dissemos que ela era muito bonita, e que era uma surpresa ser atendido por uma modelo.
Claro que com o objetivo de registrar a inusitada frentista, ficamos com vontade de tirar uma foto abraçados com ela, mas pensamos bem, e achamos que seria difícil explicar isto em casa...
Saindo dali, paramos em uma vendinha para comprar água, porém nada de café, seguimos em frente e nesta avenida há o cruzamento com a linha férrea do famoso Trem da Morte. A avenida passa sobre a linha através de um viaduto, mas havia uma obra, então passamos por baixo e ao lado. No cruzamento em nível, tivemos que esperar o trem passar, fiquei frustrado pois não consegui tirar uma foto!
De Santa Cruz até Cotoca são uns 20 km, atravessamos a pequena cidade e acabamos em uma rua de terra onde havia uma obra.  Um senhor de uniforme falava ao celular, daí que pedí informação ao que estava ao seu lado. Este não me entendeu e me deu uma resposta genérica, aí o senhor que falava ao celular fez sinal com a mão para que esperássemos.  Ele muito educado, tinha escutado a nossa pergunta e com paciência e muita clareza nos explicou. Tínhamos que seguir à direita, daí sairíamos na ruta 04 por onde tínhamos de seguir até a ponte sobre o Rio Grande, onde havia a aduana. Após a ponte a estrada virava à esquerda e uns 10 km adiante haveria a saída à direita que, era a estrada nova, daí era só seguir reto até Puerto Suarez.
Nada como encontrar uma pessoa esclarecida! Lhe agradecemos muito e nos desejamos mutuamente, sorte.
Seguindo em frente, encontramos exatamente o que ele disse, foram 25 km onde a estrada corta enormes fazendas, vimos alguns hangares de empresas de aviação agrícola (pulverização aérea) o que significa que o agronegócio por aqui é sério. Chegamos ao Rio Grande, que é imenso, na movimentada aduana nos fizeram sinal para seguirmos, daí atravessamos a ponte nova com quase 1.5 km de extensão sobre o rio. A direita fica a antiga ponte metálica, por onde passa o trem e por onde também passavam os carros  antigamente em uma única pista, com os trilhos no meio.  Cinco km após a ponte a estrada vira à esquerda em El Pailon, toda esta região desde Santa Cruz é perfeitamente plana.  Exatamente 10 km após, havia um entrocamento e uma placa que indicava San José de Chiquitos, como havia uma carreta parada do outro lado, com o motorista sobre a carroceria ajeitando a lona, fui lá perguntar. Ele lá de cima, nem sequer olhou para mim, apenas virou o braço, apontou na direção que a placa indicava e gritou, sigue por ali!   Agradeci...



A recém inaugurada ponte de concreto sobre o Rio Grande, grande mesmo!
Entramos na indicação e, nos deparamos com uma linda pista de concreto, plana indo rumo ao horizonte, deu vontade de enrolar o cabo, mas logo percebemos que havia muitos animais próximos. Em ambos os lados da estrada, enormes plantações a perder de vista. Não havia ninguém na estrada além de nós naquela bela manhã de sol. Fiquei muito feliz em imaginar que aquela estrada poderia ser daquele jeito até o Brasil.
De qualquer forma dava para andar tranquilamente a 120 km/h, pois a visibilidade à distancia era ótima.
A impressão que tínhamos, era que esta obra havia sido inaugurada no dia anterior.

Vimos à distância, um trator que cruzava a pista muito devagar, reduzimos a velocidade e quando paramos entendemos, era um trator com rodas de ferro, daquelas que se usa em plantações de arroz. Dois rapazes loiros (típicos alemães) faziam a travessia, enquanto um dirigia lentamente o trator, o outro ia colocando tábuas à frente das rodas, desta forma, o trator não danificava a pista. Depois que o trator passou, olhando aquela linda pista de concreto imaculada, tive vontade de bater palmas para eles pela consciência.
Após uns 40 km, a estrada passava por umas casas à beira da pista em ambos os lados, havia pessoas sentadas aqui e ali, então paramos no intuito de acharmos o que comer, eram 09:30 h.  Vimos uma casa com uma mesa na frente, saímos da rodovia e entramos no terreno do lugar, o nome da vila era Tres Cruces.
Paramos as motos no quintal, uma senhora veio nos atender, dissemos que desejávamos café, mas ela queria nos servir almoço, foi aí que lhe expliquei que não tínhamos tomado café "desayuno", aí perguntamos se tinha ovos, dissemos que um pão como ovo estava bom, frito, cozido, qualquer coisa.
Sentamos à mesa e vimos ao nosso lado duas crianças, um menino e uma menina, ambos estavam sentados no chão brincando com dois papagaios.  A menina fazia carinho neles enquanto eles comiam arroz em um pires.  Lhes perguntei seus nomes e eles me disseram, inclusive os nomes dos papagaios, mas não me lembro mais. Aí saiu de dentro da casa, pela porta da frente, uma linda moça, devia ter uns 20 anos, cabelos negros e olhos verdes. Ela colocou na mesa os pratos, trouxe uma salada de tomates, depois nos trouxe duas chicaras de café com leite, então a senhora nos trouxe ovos fritos e pão.  Com a fome que estávamos, aquilo, pelo menos para mim, pareceu um banquete. Conversávamos com as crianças enquanto comíamos, dificíl era entender o que eles falavam. Enquanto isto, a jovem entrava e saía da casa, depois ficou no quintal falando ao celular, ela com uma saia azul curta (mas nem tanto) que delineava seu belo corpo, de fato uma linda boliviana.
As crianças e os papagaios


A estrada vista de onde tomávamos café, tudo é novo por aqui

Terminamos de comer e pagamos a fortuna de 12 bolivianos (uns 3 reais).
Ela recebeu, sempre nos olhando com um olhar desconfiado, como alias todos os jovens faziam conosco por aquelas bandas. Será que tínhamos cara de maus?
Eu comentei com o André que nem precisaria almoçar naquele dia, tinha comido muito e bem.
Neste interím, um caminhão trucado entrou pelo quintal e foi atravessando por entre as árvores até que estacionou ao lado, quase lá no fundo. Desceram dois homens jovens, um deles grandão, passou por nós e nos cumprimentamos, aí aproveitei para perguntar sobre o trecho sem asfalto que sabíamos ainda existir.
Ele disse que adiante, em Tinto,  começava o trecho que era de uns 40 km, porém tinha uma opção que era seguir por asfalto pela serra, ele disse que era o que os motoristas de caminhões faziam, incluindo ele.
Tentei descobrir o quanto aumentava o percurso, mas ele, como a maioria do povo, sempre respondia em tempo, disse que com o caminhão carregado, levava três horas, mas que nós de moto, faríamos em uma hora e meia.  Agradecemos, nos despedimos e fomos lá, pena que não vi aquela senhora, dona da casa, queria me despedir dela.
Saindo e, uns poucos metros adiante, havia um posto de gasolina, melhor abastecer.
Uma senhora nos atendeu e enquanto abastecíamos, fiquei observando um senhor que estava parado com uma carroça ao lado da bomba de diesel. A carroça tinha vários tonéis que estavam cheios, já abastecidos. Ele, um senhor de idade, alto de pele muito clara e olhos azuis, um típico alemão usando um largo chapéu.
O que também me deixava curioso era a carroça, com dois eixos e pneus de borracha, puxada por um único cavalo, a mesma era coberta por um toldo. Eu já havia visto algumas delas à beira da estrada neste trecho novo, sempre conduzidas por pessoas loiras, uma até tinha umas crianças de cabelos tão claros que quase pareciam brancos.  Seguramente há uma imigração européia por ali, de onde e desde quando?

Lá vai a carroça, descobrí muito tempo depois, são alemães Menonitas
Mais uma curiosidade minha sobre a história do Chaco, eu já tinha lido sobre a guerra do Chaco, sabia das ocupações agrícolas paraguaias, mas não sabia sobre imigração européia por ali na Bolívia não.
Fui até o banheiro atrás do posto, e quando saí, me deparei com uma galinha que dormia tranquilamente sobre um aparelho de ar condicionado, enquanto eu a fotografava, ela abria e fechava um olho, mas não se mexia, deixei-a curtindo seu sossego.

Sossego no calor do Chaco boliviano
Agora totalmente abastecidos, seguimos pelas imensas retas da nossa estrada quase que particular, por quilômetros, não vimos ninguém além dos animais à beira da pista. Existem uns burricos que são claros, quase brancos e por isto confundem-se com a cor da estrada, que é de concreto, andávamos bem à 110, 120 km/h, porém com os olhos bem abertos.  A ferrovia do trem da morte passa paralela à direita quando viajamos sentido leste, em alguns pontos desaparece, em outros encosta na rodovia.

Fácil andar a 120 km/h

Alivie a mão para tirar a foto e o André foi embora
Foram 85 km até Estância Palmarito, passando por Pascana, Cachitas e Pozo del Tigre. Porém não vimos estas vilas, uma vez que as mesmas ficam às margens da linha do trem.  Em Palmarito há um entrocamento onde, à direita segue uma estrada de terra que vai na direção da linha férrea, à esquerda e asfaltado, está o acesso à El Tinto (este é o desvio pelas serras). Em frente está a ruta que seguimos,  e onde agora inicia-se o trecho de terra.

Paramos ali para decidir o caminho, nisto, parou do nosso lado uma picku-up L-200, o motorista sorridente com mais dois rapazes (deviam ser seus filhos).  Ele conhece bem o trecho, nos disse que seriam 40 km de terra, que o trecho inicial era o pior, depois melhorava, contudo se chovesse nós teríamos sérios problemas, pois segundo ele, haveria muito acumulo de água e o barro muito liso. Contudo, após este trecho, era asfalto até o Brasil.
Como o dia estava lindo, ele nos recomendou seguir por ali mesmo, como alias ele iria fazer também. Nos despedimos e ele seguiu.  Para nós, era importante conhecermos o tal trecho off-road, uma terrinha é sempre bem vinda. Porém, logo nos primeiros 500 metros, já não tínhamos a mesma opinião, enormes ondulações e buracos, uma poeira fina e os constantes desvios de rota, nos faziam andar muito devagar, neste ritmo não chegaremos nunca, pensei.  Logo passamos pelo nosso amigo que murchava os pneus da pick-up, depois, foi ele quem nos passou quando paramos para fazer o mesmo.



Aqui começou a diversão, 37 km no poeirão do chaco


Trechos consolidados, só falta asfaltar

Linha férrea, o trem da morte passa ali
Foram uns 8 km assim, eu olhava no odômetro da moto e no relógio, tentando calcular uma média horária, isto porque o calor era intenso e nos céus começaram a aparecer umas nuvens. Depois o trecho melhorou um pouco, mas era assim, trechos já com a larga pista ainda em terra já consolidada,e bem compactada. Porém, a cada 300 metros haviam montes de terra impedindo a passagem, forçando o tráfego a sair e cortar pelos buracos à beira dos barrancos.  Eu disse "tráfego", pois havia sim. Passavam por nós alguns caminhões, caminhonetes e em vários locais, passávamos por entre os tratores trabalhando. As nuvens de poeira eram imensas, fechávamos o capacete sufocando no calor e quase não se enxergava ao cruzar os outros veículos.
Eu não disse ao André, mas continuava preocupado com as nuvens, ia calculando a média horária e a estimativa para a chuva começar, observando as formações nos céus. Pelos meus cálculos sairíamos do trecho na risca.
As nuvens começaram a encher os céus !
Em um daqueles trechos retos, onde temos que sair para a lateral, havia um enorme lamaçal, muito estranho  isto no meio daquela poeira e secura toda. O André ia na frente, quando entrei no lamaçal  vi que era argila, e, já quase saindo no final do lamaçal, fiz a besteira de tentar desviar de um buraco, a roda dianteira saiu em um segundo.
Como eu já estava psicologicamente preparado para cair, simplesmente saí da moto por cima, porém não dava quase para ficar de pé. A argila escorregadia não permitiria que eu levantasse a moto, o André sabendo que eu sou bração, já estava a postos.  Claro que antes ele fotografou e filmou, nós rimos muito atolados que nem dois porcos naquela lama.  A moto novamente nada sofreu, apenas minha perna direita que raspou em uma parte mais dura e tinha um ralado.


Eu não iria passar ileso por ali !

Lhes apresento meu terreno no Chaco !
Comprei meu segundo terreno nesta viagem, agora eu tinha um terreno em pleno Chaco boliviano!
O barro ali era tão consistente, que até hoje há resquícios no manete da moto.

O André fazendo pose após o resgate, olhem o barro nas botas e calças !

Depois da lamina, mais poeira

Olhem as nuvens ! achei que não iria dar tempo de sair daqui antes da chuva.

Chegando no final do trecho, o André está feliz !
Continuando, chegamos à um trecho onde havia uns morros e ali a terra era vermelha, um trecho com muita agitação, devido às obras. Quando passamos por um canteiro de obras, fiquei mais aliviado, pois isto indicava que era onde devia começar a encrenca toda, naquele momento a chuva era iminente.
Cruzamos uma ponte de madeira, mais uns 10 km e saímos no asfalto, porém nada se chuva, que sensação boa, pois agora poderíamos deixar os braços descansarem um pouco. Saímos já sobre a ponte nova do rio Quimome, entramos no asfalto em uma reta e logo adiante havia um pedágio, vimos ao lado da estrada uma placa, "Restaurante Tranquera". Apesar do nome, o lugar bem simples, nos chamou a atenção, o André propôs irmos lá.  Entramos com as motos no pátio de uma casa, e estacionamos debaixo das pequenas árvores que encontramos naquele terreno arenoso. Um mulher, de uns 30 anos, loura de olhos azuis, veio nos receber.
Muito atenciosa, nos levou até o restaurante, ficamos admirados, um lugar simples, mas muito bem construído com troncos de madeira e o telhado de palha, muito limpo e ajeitado. Tanto nas janelas, como nas portas, haviam telas, por isto não haviam moscas. Fomos ao banheiro, que fica nos fundos no quintal, precisávamos lavar o rosto e as mãos, tanta era a poeira que tínhamos em nós, que eu até fiquei com vergonha de sentar à mesa. O sistema para manter as portas fechadas, e barrar os insetos, é muito engenhoso, uma garrafa PET, cheia de areia, fica pendurada por uma cordinha do lado de fora, a corda passa por uma roldana e se prende na porta. Toda vez que você abre a porta, a garrafa é elevada, assim que você a solta, o peso da garrafa puxa a porta para o seu lugar, fechada. Sentamos à mesa e, aquela mulher muito educada, de traços finos, bonita apesar da aparência um pouco judiada, nos serviu.
Nisto chegou um pessoal da obra da rodovia, uma turma de operários que sentou-se em uma mesa ao fundo, alegres e conversando bastante. Um senhor gordo e mais velho, sentou-se em outra mesa no canto oposto, sozinho e sério.
Pelo não uso do uniforme, e pela "postura", nós comentamos (eu e o André) é o chefe!
De qualquer forma, para nós dois é estranho isto, se fossemos nós os chefes, estaríamos lá no meio da peãozada rindo também!
O almoço foi delicioso, pedimos para aquela senhora tirar fotos de nós, adoramos o tratamento dela, o lugar e a comida.
Havia uma pasta verde muito saborosa, tinha a consistência de purê, mas não identificamos o que era, então ela nos explicou ser purê de batatas com espinafre, até ensinou a receita para o André.
Aproveitei para perguntar a ela, sobre aqueles imigrantes, certamente europeus, e suas carroças. De onde eram ?
Ela não soube explicar, ela mesma nada tinha de boliviana, por isto achei que soubesse.
Nos despedimos muito felizes, pelo almoço e pela surpresa que foi aquele lugar.


O André depois de tomar banho de torneira !

O restaurante "La Tranquera" que de tranqueira não tem nada, é muito bom
Quando entramos na estrada, o que imaginavámos ser um pedágio, na realidade era um posto de controle da policia, tive a impressão que o policial estava nos esperando. Acho que foi porque tínhamos quase chegado no posto e de repente, voltamos para o restaurante. O guarda sozinho já foi dando sinal de parar antes mesmo de chegarmos, aí como sempre, de onde vem, para onde vai etc. Checou nossos documentos e as motos, depois, sempre muito sério, nos liberou.

Olhem que beleza, concreto, estrada para durar.

André e sua DR "In Action" cortando o chaco boliviano
Depois do posto, a estrada era nossa mesmo, com o sol do meio-dia, apenas as borboletas, muitas mesmo, me faziam pena, pois não conseguíamos nos desviar de muitas delas, tomavam conta da estrada. Rodamos 50 km e chegamos a entrada de San José de Chiquitos, bem ali havia um posto, então fomos lá. Um senhor e uma menina sentados, nos disseram não haver combustível, ele nos indicou à direita para irmos até a cidade, que dali não se via. Cometemos aí um erro estratégico, devíamos ter ido lá, mesmo que desviasse uns 10 km. Pensando que haveria alguma outra cidade, pois havia muitas placas indicando muitos nomes de lugares, e que na realidade nem sequer vimos, continuamos na estrada.  Depois dalí passamos por, Las Taperas, San Lorenzo e Ipias, mas como sempre não se avista as cidades, pois estas ficam às margens da linha do trem e, na estrada que é novíssima, apenas as placas as indicando.



Trecho próximo a Ipias

Chegando próximo a serra de Choquis

A torre de Choquis, La Muella del Diablo está aos seus pés.
Lá vou eu em meio as serras
Depois de Ipias, a estrada entra em um trecho de serra, que é lindo, é a serra de Choquis, onde está La Muella del Diablo e a Torre de Choquis. Foram 95 km até passarmos ao lado da torre de Choquis, eu pretendia visitar La Muella del Diablo, porém nosso combustível estava baixo e, com a preocupação de economizar, não propus ao André sairmos da estrada para irmos até lá, uma pena. O lugar é lindo, e a rodovia neste trecho também. Passamos por Limoncito onde uma placa indicava 15 km para Roboré, a moto do André entrou na reserva com 295 km rodados e finalmente chegamos à Roboré, exatos 300 km depois do abastecimento em Tres Cruces.

Não tínhamos mais combustível para seguir viagem, entramos em Roboré por uma larga rua que passou pela igreja matriz e uma praça, nos indicaram que o posto era no fim da rua virando à direita. Após a curva, a rua já era de terra, viramos e atravessamos uma pequena ponte onde, embaixo no rio, havia bastante gente, fiquei doido para pular naquela água. Foi aí que vimos a fila para abastecer.
O posto não é um posto, é uma bomba ao lado de um tanque suspenso, tudo sob o sol escaldante. Fomos seguindo a rua de areia até fim da fila, daí que não conseguíamos parar as motos, pois a areia fofa não firmava o descanso lateral. Aí ficamos ao lado das motos, segurando-as, porém o sol era absurdo,  era insuportável ficar ali.


O fim da fila é lá no fundo da rua !
Vimos uma sombra sob umas árvores lá na frente, aí conversamos com o motorista do carro que parou atrás de nós, explicamos que iríamos parar as motos lá, mas continuávamos na fila. Empurramos as motos até debaixo das árvores e eu já fui explicando que não estávamos furando a fila. Difícil foi conseguir deixar as motos em pé, o André achou uns pequenos pedaços de madeira e aí conseguimos, finalmente estacionar as motos. A água que tínhamos na bagagem estava quente da exposição ao sol, então viramos as garrafas sobre nossas cabeças, e foi um alívio.  Enquanto o André saiu caminhando em direção ao rio, eu arranquei as botas, tirei a parte de baixo da calça (ela tem um zíper que a faz virar uma bermuda), peguei o chinelo que estava no bolso lateral do alforge e sentei-me sob a sombra, ufa! Amarrei as botas na moto, assim pude ficar à vontade de chinelos.


O único jeito de termos um alivio, banho de garrafa !


A nossa sombra salvadora
Foi aí que vi, no terreno da casa onde havíamos parado em frente, que uma menina colocou uma mesa com uma jarra e uns copos sob a sombra de uma grande árvore. Suco de laranja natural, um boliviano o copo, e então ela trouxe umas cadeiras plásticas. Que beleza, sombra e suco de laranja!  Nem vi quantos copos tomei, sei que guardei umas moedas para quando o André voltasse, só que ele voltou com duas garrafas de água, depois de ter tomado uma outra inteira em um gole.
Uma pena, mas ele viu que o rio não era limpo o suficiente para um banho.
Conversamos bastante com o pessoal na fila, especialmente com uma senhora que falava bem Português e estava bastante curiosa sobre nossa viagem, as motos etc. Ela e o filho, estavam indo para San José de Chiquitos (com uma van), e nos disse que voltaria no mesmo dia para Corumbá. Achei meio estranho,  pois estávamos por volta das 15:00 h, eram 600 km ida e volta de Roboré a San José, depois uns 250 de Roboré até Corumbá!  Sei lá o que eles estavam indo buscar em um bate e volta destes, não perguntei...
Ela falou muito dos perigos da estrada à noite, assaltos etc. (só que eles iriam voltar de madrugada né).
A fila andou e agora não tinha mais jeito, tivemos que ir para o sol. Quem abastecia os veículos era um soldado do exército!


Agora não tem mais jeito, sob o sol perto do abastecimento
Daí que, quando chegou a nossa vez, um senhor com uma prancheta, devia ser sargento, resolveu dar uma geral nas motos e nos documentos, sob aquele sol de 43 graus, fiquei tão feliz!
Mais feliz ainda, quando descobri que eles "metiam a mão" na quantidade abastecida, pois minha moto tinha entrado na reserva na entrada da cidade e eles me cobraram 17 litros!  Quando quis reclamar o André me disse, cara, é o exército, deixa para lá. Eu já tinha reclamado muito de um senhor que tinha furado a fila, mas como o André disse, era de idade, eu é que estava de cabeça quente, literalmente, sob um sol de 43 graus!

Saímos dali, margeando a linha do trem da morte e paramos no bar onde o André tinha comprado água, havia uma cobertura, sentamos sob a sombra e enquanto conversávamos com o dono do bar, cujo pai era brasileiro, fomos recolocando as botas etc, e sempre tomando água.
Bem, faltavam entre 200 e 250 km, segundo as informações que nos deram, combústivel nós tínhamos. Voltamos para a estrada às 16:00 h e andamos bem, mantendo por volta dos 120 km/h, novamente estrada livre e um lindo visual.
Em uma grande reta no meio do nada, vi à distância, um carro branco parar no acostamento no sentido contrário, conforme nos aproximamos pude ver que era um carro velho, até pensei, coitado será que o cara quebrou ou ficou sem combustível?
Foi então que vimos que ele se encostava na lateral do carro, tentando esconder um grande arma de cano longo, passamos direto por ele, que ficou nos olhando, uns metros à frente o André alinhou ao meu lado e perguntou, você viu?
Falei, ví sim, não sei o quê ou quem ele vai caçar, mas o trabuco era grande!
Continuamos cortando aquela bela estrada, depois de uma hora aproximadamente rodando, o André propôs uma parada no acostamento, achei que era para fazer um xixi, era uma grande reta e nós paramos na sombra que já aparecia do lado direito da estrada.
Foi aí que o André me perguntou, você está escutando este som?   De fato, um som de floresta, canto de pássaros e som de insetos, nada mais. Ficamos ali parados, sem dizer nada por alguns minutos, só curtindo aquela simples maravilha da natureza.
Como aquilo é relaxante para quem está disposto a se desligar do mundo por alguns instantes. Não me lembro quanto tempo ficamos desfrutando daquele fim de tarde incomum.


A beleza do Chaco no meio da tarde

Ficamos aqui escutando os sons da natureza
Somente o som dos pássaros e dos insetos
Lá na frente havia um falcão tentando pegar algo no asfalto, pelo zoom da câmera eu tentava fotografá-lo, foi aí que ví que alguém vindo pelo acostamento de bicicleta, havia um carro vindo também , e parecia que, bem devagar acompanhava a bicicleta.
Alertei o André, nosso relax acabou, tratamos de guardar a máquina fotográfica e colocar os capacetes, porém antes do sujeito se aproximar o carro passou, acho que o motorista tinha nos visto e ficou preocupado também, porém conosco.
Aceleramos e passamos pelo ciclista que não tinha cara de bons amigos, melhor não dar bobeira por estes lados, não pude ver com ele, arma qualquer, mas é bom prevenir.

A tarde foi caindo e íamos ansiosamente nos aproximando de Puerto Suarez e quando chegamos lá, era dia ainda, mas o sol já não brilhava, no horizonte havia uma cadeia de morros com cumes arredondados, eu julguei estarem já no território brasileiro (e de fato estão).
Vimos em uma rotatória, um posto de gasolina e decidimos ir lá, nossa ideia era aproveitar o preço boliviano e assim "queimarmos" um pouco do dinheiro boliviano que nos restava. Sem chance, nada de combustível.
Continuamos, as placas indicavam 15 km para a fronteira com o Brasil, na realidade ao contrário do que eu imaginava, a cidade fronteiriça é Puerto Quijano.
Chegamos em uma rotatória onde já havia a indicação da fronteira, claro que paramos para registrar o momento, uma vez que nas aduanas é sempre proibido fotografar.
O local era também a portaria de uma grande empresa, havia do outro lado da rodovia uma enorme fila de caminhões estacionados, no tempo em que ficamos alí, pelo menos dois deles saíram e seguiram rumo Bolívia à dentro.
No segundo, observei o motorista com um papel na mão, alguma nota fiscal ou liberação, entrar na cabine e ligar o grande caminhão tanque bi-articulado, eram todos da mesma empresa e tinham placas do Brasil.
Quando ele lentamente passou ao nosso lado, perguntamos ao motorista o que é que ele transportava, ele respondeu passando, gasolina!
Lhe desejamos boa viagem, eu fiquei pensando no quanto a Bolívia depende do Brasil, e depois, que aquele caminhão não deveria cruzar todo o percurso que fizemos, pois não vimos nenhum no caminho.



Estamos à dois passos do Brasil !


Feliz sentimento de missão cumprida
Saímos dali animados e logo chegamos à fronteira, mas estranhamente, a aduana e a imigração bolivianas estavam fechadas, eram 19:00 h. Havia apenas um soldado, que disse para voltarmos no dia seguinte para fazermos a saída!  Isto não estava nos nossos planos...
Não havia o que fazer, seguimos e logo à frente havia a receita federal brasileira, paramos mas não fomos revistados, apenas conversamos um pouco com o fiscal, que nos indicou um hotel em Corumbá.
Menos mal, fomos lá, porém erramos na rotatória e fomos parar em um bairro residencial. Mas como é boa a estranha esta sensação de estar "em casa", é uma coisa intangível mas plenamente clara, o "jeito" brasileiro está presente ali..
Pedimos informação e logo achamos o hotel Águas do Pantanal, simples, com bom preço, e um enorme estacionamento.
Quando entramos no hotel já era noite, arrumamos nossas coisas em um quarto no térreo, o calor era sufocante. Estávamos muito cansados, tomamos banho, e agora com roupas leves, fomos para a rua.
Não havia muitas opções, procuramos um restaurante que nos indicaram, mas estava fechado, então acabamos comendo um lanche com cerveja, em um bar numa esquina da rua do hotel. Agora haviam os orelhões para podermos ligar para casa.

Depois de mais um longo dia destes não foi difícil dormir, apesar do calor. Corumbá é um forno!

Rodamos neste dia 830 km em aprox. 12 horas.  Santa Cruz de La Sierra - Bolívia até Corumbá - Brasil.
Hotel Águas do Pantanal - Rua Dom Aquino, 1457 - Corumbá Centro.



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